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sábado, 16 de julho de 2011

Probióticos 1: Conservas de leite

coisinhas azedas do bem

Por mais tecnológico que esteja o mundo, algumas tradições
bem antigas se mantêm intactas. Uma delas é produzir e consumir
alimentos conservados ou transformados através da
fermentação lática, como pão, vinho, cachaça, cerveja, chocolate,
coalhada, queijo, mostarda, chucrute, missô, picles e outras
felicidades do paladar.

Japoneses comem diariamente vários tipos de conserva. Missô
e shoyu, na sopa e nos vegetais, substituem o sal e fazem parte
da rotina; são resultado de soja fermentada. Nabo em conserva
também é diário, no final da refeição, para limpar o tubo digestivo
junto com o chá quente. Eles se protegem especialmente
com a ameixinha salgada chamada umeboshi. Que é muito ácida
ao natural, mas fica um ano e meio de molho em seu próprio
caldo, com sal, e então pode ser usada contra indisposição, dor
de cabeça, de garganta, de barriga. Comeu ou bebeu demais?
A gripe está encostando? Seu poder desintoxicante já salvou
muitas vidas. Além disso, é um excelente tempero em saladas.

Sólidas ou líquidas, as conservas dão show. Mantêm todas as
vitaminas do alimento cru e suas enzimas, que ajudam em todos
os processos de transformação da comida, e promovem o crescimento
de lactobacilos, bactérias simpáticas que limpam os
intestinos e dão qualidade à flora, aumentando a imunidade.
Em suma: certas conservas botam ordem no corpo. E o melhor
de tudo? É que a gente gosta.

Coalhada e iogurte, por exemplo, quase todo mundo adora. Ao
natural, o leite de vaca costuma causar uma série de problemas
digestivos e alergias, além de ser produzido com hormônios e
antibióticos; mas é só fermentar que ele se torna benéfico para
a maior parte das pessoas, se consumido com moderação.

Chucrute, feito de repolho fermentado com sal, outra preciosidade.
Poderoso alimento e remédio há milênios, é hoje reconhecido
pela medicina como agente decisivo contra câncer, diabetes e
outras doenças crônicas e degenerativas. Combate fungos.

Comer vegetais em conserva caseira é uma forma muito boa de
equilibrar qualquer tipo de alimentação, especialmente a mais
pesada. Não é por acaso que salsichas são servidas tradicionalmente
com mostarda e ketchup, ambos conservas.

Mas há um pequeno detalhe que faz a diferença: os processos
industriais quase sempre eliminam a fermentação viva, e sem
ela o valor medicinal é zero. Pior: vinagre de álcool e aditivos
químicos, como corantes e conservantes, agridem o organismo
e destroem a flora intestinal. Ou seja, bom é fazer as conservas
em casa. Com produtos orgânicos, já que aditivos químicos
muitas vezes sabotam a fermentação.

É simples? Bastante. Fácil? Também. Onde é que pega? No
fato de que as coisas nem sempre saem tão bem quanto da vez
anterior. A boa conserva é fruto do encontro perfeito entre os
ingredientes, o tempo, a temperatura, a luz, o sal, o fermento, a
pessoa, a vasilha e os imprevistos.

Meia dúzia de vidros de boca larga, com tampa; meio metro de
filó; dois ou três paninhos de fralda; elásticos ou barbantes: eis
o equipamento básico.

Ah, e uma boa chaleira para ferver bastante água e esterilizar
bem todos os vidros.

conservas de leite
O leite é riquíssimo em açúcar, no caso lactose, e bactérias amam
açúcar, portanto leite é seu paraíso. Toda cultura tem um leite
fermentado. O sabor varia conforme os micróbios da região, no
caso do leite cru, e da semente que se transmite de mão em
mão, como é o caso dos grãos do kefir caucasiano, do tara
tibetano, do koumiss russo, do iogurte iugoslavo que se espalhou
pela Ásia Menor e pela Europa. Cá na terra é natural a
coalhada, trazida pelos portugueses, bem como as vacas leiteiras
que não existiam por aqui. O leite de cabras e ovelhas
também pode ser fermentado, geralmente com vantagens em
termos de digestão, assimilação e pureza, pois é mais comum
seu tratamento ser orgânico.

Frank Kosikowski, cientista alimentar da Cornell Univesity, EUA,
classifica o leite fermentado em quatro tipos. O primeiro apresenta
fermentação dupla: lática e alcoólica, inclui kefir e koumiss.
O segundo é altamente ácido, geralmente só com Lactobacillus
bulgaricus. O terceiro é medianamente ácido, produzido só com
Lactobacillus acidophilus, que acidifica lentamente e pouco. O
quarto é pouco ácido, caso da coalhada e do creme azedo.

Hoje em dia a maior parte das sementes de iogurte combina
pelo menos duas bactérias diferentes – uma altamente ácida e
outra baixa, que modera a acidez do produto final.

coalhada
Uma tigela de leite cru, orgânico, largada na pia, acidifica naturalmente
sob a ação de bactérias como Streptococcus lactis e
S. cremoris, e vira coalhada. Mais ou menos assim: o leite começa
a se degradar pela ação de suas próprias bactérias,
fazendo o soro se desprender da caseína, a proteína do leite,
que coagula; no coágulo se desenvolvem lactobacilos que se
alimentam da lactose e produzem ácido lático, que age como
conservante das proteínas do leite e demais nutrientes, o que
inclui preciosas enzimas. Esse leite não pasteurizado produz por
si os lactobacilos acidófilos que vão predominar na coalhada,
neutralizando outras bacté-rias e micróbios. É isto que continuarão
fazendo no tubo digestivo.

O creme que se junta na superfície é delicadamente azedo, o
famoso creme fraiche francês. Uma iguaria.
coalhada de leite cru, orgânico
deixar o leite em vasilha de louça ou vidro, coberto por um pano,
até coalhar. Isso pode levar de 24 a 72 horas, dependendo do
clima e da temperatura. O leite faz tudo sozinho: coagula,
fermenta, vira coalhada, soro e queijo.

1 litro de leite = 1 litro de coalhada (com soro)
coalhada de leite pasteurizado
é preciso usar como fermento um pouco de coalhada ou iogurte
prontos que tenham lactobacilos vivos.
1 litro de leite de vaca ou cabra
1/2 xícara de coalhada ou iogurte

Quando ambos estiverem na temperatura ambiente, misture em
vasilha de louça ou vidro, cubra com um pano e deixe fermentar
de 12 a 24 horas.

A coalhada fica pronta quando o leite está coagulado, o soro já
aparecendo nas beiradas, e o sabor é levemente ácido.
Pode transferir para recipientes menores, de vidro com tampa.

iogurte
O iogurte é leite quase fervido e acidificado por bactérias de
proliferação controlada, como Streptococcus thermophilus, Lactobacillus
yogurtii, L. bulgaricus, L. acidophillus e L. bifidus.

Você pode comprar no comércio se na embalagem estiver escrito
“contém lactobacilos vivos”, ou fazer em casa com leite comum
e lactobacilos em pó encontráveis em lojas de produtos naturais.
Se preferir comprar nos Estados Unidos, onde esses produtos
são muito baratos, procure por yogurt starter.

iogurte caseiro
1 litro de leite, cru ou pasteurizado, de vaca ou cabra
1/2 xícara de bom iogurte, ou
1 pacotinho de Bio Rich ou outra marca de fermento

Leve o leite ao fogo, mexendo sempre para não grudar na panela,
até ele se agitar mostrando que vai ferver; apague o fogo e deixe
o leite arrefecer até mais ou menos 42-45oC.

Se você não tem um termômetro, pode medir a temperatura com
o dedo: o leite deve estar nem tão quente que queime o dedo,
nem tão morno que possa mexê-lo. Ou seja, na temperatura
chamada esperta. Nessa hora é que você vai misturar meia xícara
de iogurte pronto ao novo leite.

Se for usar lactobacilos em pó: dissolva à parte com um pouco
do leite morno; misture ao restante mexendo bem para dissolver
totalmente e disponha em uma vasilha grande ou várias pequenas.

Tempo de fermentação ideal: 24 horas. As iogurteiras elétricas
dizem 8 horas – nem sempre suficientes para a transformação
total da lactose. Fora delas, tem que manter o leite morninho no
forno pré-aquecido, em caixa de isopor ou garrafa térmica.

A quase fervura do leite serve para eliminar as bactérias naturais,
reduzindo a competição com os lactobacilos, e dá ao iogurte
uma textura considerada melhor.

o sabor é azedo mesmo
Porque o ácido lático, como diz o nome, é ácido, azedo. Mesmo
quem a princípio não gosta acaba se acostumando.
Seja coalhada ou iogurte, é para tomar sempre de estômago
vazio, sem misturar com outros alimentos e sem adoçar, a não ser
com estévia.

tomar à temperatura ambiente
Produtos do leite, mesmo fermentados, são de natureza fria e
costumam produzir umidade e muco; se estiverem gelados ainda
roubarão calor do corpo. Morninhos ou à temperatura ambiente
são mais benéficos. Por isso, tire da geladeira o que vai tomar
pelo menos duas horas antes; se não der tempo, coloque em
banho-maria – dentro de uma caneca, em água bem quente, o
fogo apagado, por 2 ou 3 minutos apenas, mexendo com uma
colher até amornar.

temperos picantes neles
Canela, cravo, noz-moscada, gengibre, cúrcuma, cominho,
pimenta-do-reino, cardamomo, zimbro, cebolinha-verde, alho,
mostarda: todos são usados para ajudar na digestão dos laticínios.

queijo de coalhada / boursin | DIETA SUAVE
Forre uma vasilha com um pano de prato ou fralda. Despeje a
coalhada, junte as quatro pontas de pano e amarre, torcendo um
pouquinho. Pendure sobre a vasilha para continuar colhendo o
soro, ou pouse sobre uma peneira, coador, funil ou qualquer
outra coisa furada que não seja de alumínio. Depois de algumas
horas, terá um queijinho caseiro de fermentação leve, rico em
lactobacilos, que pode ser usado enquanto estiver fresco.
Conserva-se por mais tempo com sal e ervas, coberto por azeite
virgem de oliva.

Quando comer, fique de olho nos sintomas. Podem piorar.

soro de coalhada ou iogurte
Quando o leite é acidificado, suas proteínas sólidas se aglutinam
e as solúveis ficam no soro, o líquido meio transparente que se
separa do coalho – naturalmente ou por drenagem, como na
receita do queijo, acima. As proteínas do soro são mais fáceis de
digerir e já vêm com cadeias ramificadas de aminoácidos, prontos
para reconstruir músculos, por isso é que os atletas adoram.

O melhor modo de consumir o soro é bebê-lo ao natural, para
obter lactobacilos e enzimas. Não obstante, em muitos países se
faz sopa cozinhando vegetais, como batata e abóbora, no soro.
Ele é um ótimo tempero ácido para saladas, vegetais crocantes e
cereais germinados ou cozidos. Uma de suas melhores virtudes é
dar mais qualidade às conservas de vegetais.

a seguir: conservas de vegetais e frutas